"Temos de apostar no ensino profissional"
O presidente-executivo da Egor, Amândio da Fonseca, defende que é
necessário apostar no ensino profissional para combater o desemprego
jovem.
Acha que as empresas vão ter de se habituar ao envelhecimento
da população? Estamos numa fase de declínio demográfico. Que impacto
vai ter no mercado de trabalho?
Vai ter um impacto muito importante. Repare, tivemos a fase dos
yuppies. São vagas culturais. Na fase yuppie, quanto mais jovens melhor.
Essa fase já foi ultrapassada. Em alguns casos até com maus resultados,
como vemos no mercado de trabalho e em alguns casos mediáticos. Casos
da banca, casos noutras empresas. Houve uma normalização deste fluxo e
hoje as empresas começam a perceber, até porque nós, empresas de
recrutamento, fazemos um esforço muito grande de valorizar essas
pessoas. A situação inverteu-se e está a inverter até porque com a
emigração, o recurso a pessoas mais jovens também diminuiu
significativamente. As sociedades evoluem em fluxos e, portanto, houve a
época em que as pessoas estavam em baixo e agora estas pessoas começam a
ter alternativas de emprego. É evidente que depende do seu perfil, do
sector onde estão, do tipo de ajustamento que essas pessoas forem
capazes de fazer.
O empreendedorismo é uma solução ou uma moda passageira?
Diria que é as duas coisas. É moda porque o empreendedorismo surge
como uma forma de motivação dos jovens e de criar projectos de
empregabilidade. Há uns anos, apontavam as estatísticas, sabíamos que
por cada cinco projectos de empreendedorismo apenas dois vingavam e os
outros desapareciam. Hoje, a grande maioria dos projectos de
empreendedorismo está a surgir na área dos IT. E está a aumentar
significativamente o número de projectos de empreendedorismo com
sucesso. Para esses, o empreendedorismo é realmente uma solução. Por
outro lado, surgiram negócios realmente incríveis, de uma criatividade
enorme, e que estimularam as pessoas.
Do ponto de vista do empregador, é algo que se valorize no currículo mesmo que o projecto tenha corrido mal?
É importantíssimo. Uma empresa com uma cultura de gestão normal, já
não diria de alto nível, quer pessoas que tomem decisões, que sejam
empreendedoras, que façam as coisas acontecer. Costumo dizer que há três
tipos de pessoas na vida: as que fazem acontecer, as que veem acontecer
e as que não veem nem fazem. Estas últimas são pessoas que entraram
prematuramente na fase de declínio. As empresas querem pessoas que façam
acontecer.
Um jovem que lance uma empresa ou um projecto que corre mal.
Em Portugal há muito aquela tendência para recear o falhanço. É algo que
prejudique o currículo de um jovem?
Para muitas pessoas, sim. Ao contrário da cultura americana, que se
eu não tenho dois, ou três ou quatro fracassos, não presto, não sirvo,
porque não aprendi os mecanismos da frustração, da resiliência e de
lidar com as dificuldades, em Portugal já se deu mais importância a essa
questão do que hoje. Até pela escassez de recursos qualificados. Temos
uma grande escassez de pessoas qualificadas. Hoje recrutar é difícil.
É uma escassez porque essas pessoas estão a ir para fora?
Nós procuramos sobretudo pessoas qualificadas porque é o que as
empresas nos pedem. Muitas foram para fora, houve uma massa muito grande
de pessoas, cerca de 200 mil ou 300 mil pessoas que foram para fora,
muitas delas qualificadas. Muitas delas foram para fora porque a
economia não tinha possibilidade de as absorver. Formámos cinco ou seis
milhares de enfermeiros todos os anos e o mercado só absorve dois ou
três mil. O que vão fazer estas pessoas? Têm de ir para fora.
Do seu ponto de vista, o que podia ser feito, que medidas
podiam ser tomadas, ou alguns obstáculos que pudessem ser ultrapassados
para conseguir combater o desemprego em Portugal?
Eu diria que temos de apostar no ensino profissional. Essa tem sido
uma das áreas onde, naquela fase da licenciatura, em que todos queriam
ter uma licenciatura, as pessoas não iam para ao ensino profissional e
não colmatavam uma lacuna. Foi provavelmente o maior erro da revolução,
acabar com os cursos intermédios, os cursos industriais e os cursos
comerciais. Esse foi provavelmente um dos grandes erros que foram
cometidos. O ensino profissional não era considerado muito interessante,
em termos de estatuto, em termos de imagem. Essa situação só se
modificou quando as pessoas em massa começaram a verificar que tinha o
licenciado em casa desempregado e o vizinho do lado tinha um filho com o
11º ou o 12º ano, mas que tinha terminado um curso de electricista ou
de canalizador, e estava empregado, tinha carro e vivia bem. Isso
provocou, em termos colectivos, um sentimento de que o curso
profissional cria muito mais oportunidades de emprego quer cá quer fora.
Hoje, uma pessoa com o 12º ano para emigrar vai fazer o quê? França e
toda a Europa está cheia de pessoas deste tipo que não tem lugar.
Há estatísticas que demonstram que, apesar de tudo, os licenciados vivem melhor do que os não licenciados…
Obviamente que sim. A licenciatura é essencial. Agora, a questão é da
escolha da licenciatura. Esta escolha não pode ser apenas feita pelo
coração. A orientação vocacional, que é um dos defeitos que temos no
nosso ensino, não há orientação vocacional, deve ensinar um jovem a
ponderar ‘ok, eu gostava muito disto mas qual é o mercado de trabalho,
tenho emprego ou não tenho emprego nesta profissão?’.
Os incentivos às empresas para contratarem, nomeadamente
mão-de-obra mais jovem, devem continuar, devem ser aprofundados, ou não?
Acho que sim. Não tenho números. Provavelmente o ministério terá. Mas
uma grande percentagem das pessoas que fazem este tipo de estágio
consegue ficar nas respectivas empresas. No mercado de emprego, a partir
do momento em que apresentam uma experiência, que apresentam
referências, tem uma vantagem significativa relativamente a outras
pessoas. Na Egor, devemos ter dez ou 12 pessoas que entraram por essa
via. São jovens que saíram da faculdade de psicologia, e desse género, e
que entraram, começaram a trabalhar e que ao fim do período de estágio
passaram ao quadro porque foram selecionadas. Vimos que eram pessoas que
nos interessavam e portanto considero que é uma medida muito positiva.
Receio é que em termos financeiros, o investimento que está a ser
canalizado para essa área tenha vindo a diminuir na medida em que cada
vez mais é difícil obter autorização do Instituto do Emprego e Formação
Profissional para assumir esses estágios profissionais.
De onde vem o interesse lá fora pelos trabalhadores
portugueses? Quais são os países que neste momento estão a recrutar em
Portugal e para onde?
Os trabalhadores portugueses em todo o mundo são considerados
trabalhadores exemplares. O que levanta um paradoxo terrível: por que é
que cá temos a produtividade mais baixa da Europa e noutros países somos
considerados modelos. Ou nas multinacionais que estão em Portugal, como
a AutoEuropa, a Bosch, Siemens e outras multinacionais, onde os
portugueses são considerados trabalhadores exemplares. Essa é uma
componente ligada ao tipo de gestores que temos em muitas das nossas
empresas, a baixa qualificação. Outra questão é porque realmente, neste
momento, toda a Europa há falta de pessoas nessas áreas: há falta de
enfermeiros, há falta de informáticos, há falta de designers, há falta
de engenheiros. O português não só tem uma integração muito fácil em
todos estes países e uma capacidade de adaptação muito grande, como na
realidade temos escolas magníficas.
Relativamente a Portugal, qual a sua perspectiva de futuro?
Falou que alguns investimentos estão a vir para o país. A sua
perspectiva é que haja alguma melhoria mesmo com o crescimento esteja a
diminuir ou não?
Teremos investimento selectivo. Aqueles investimentos muito grandes
que empregavam centenas de pessoas dificilmente os teremos. O nosso
mercado é um mercado pequeno e há um certo esgotamento. O que estamos a
ter é realmente muitos investimentos em termos de grandes empresas que
estão a mudar para Portugal as suas áreas de research e desenvolvimento,
porque reconhecem que nós temos excelentes profissionais e que os
custos dos nossos profissionais são muito mais baixos do que nos países
de origem.