Miguel Fontes. “É um erro estratégico afirmar que temos mão-de-obra barata”
O diretor da Startup Lisboa diz que empreender não pode ser "uma
realidade apenas para afortunados". É preciso mais capital semente e
saber como atrair 'players' internacionais.
Sucedeu a João Vasconcelos – atual Secretário de Estado da Indústria –
na direção daquela que foi a primeira incubadora lisboeta para projetos
inovadores, com pensamento global e modelos de negócio de crescimento
rápido, a Startup Lisboa. Reconhecendo a “responsabilidade” que foi
ficar com o legado de uma “força da Natureza”, Miguel Fontes conta ao
Observador que o principal desafio dos empreendedores é a ausência de
capital semente. “Podemos estar a desperdiçar boas ideias por falta de
capital semente”, disse. E é por isso que é preciso atrair
players internacionais, mas com os argumentos certos. “É um erro estratégico afirmar que temos mão-de-obra barata”, afirmou.
Com
44 anos, antes de abraçar a liderança da Startup Lisboa, Miguel Fontes
foi administrador executivo da AICEP – Portugal Global, entre 2010 e
2015, e Secretário de Estado da Juventude, no Governo de António
Guterres, entre novembro de 1997 e abril de 2002. Ao Observador, disse
que não vê problema em transformar o empreendedorismo uma moda, mas
admite que é preciso não confundir conceitos. Sobre a ausência de
capital semente, disse ainda que se o país não quiser “que o
empreendedorismo seja uma realidade apenas para os afortunados desta
vida”, que é preciso ter mais gente disposta a apoiar as fases iniciais
dos projetos.
“Nós já cá estamos e estamos a jogar em casa”
António Costa disse, na inauguração do novo escritório da
Uniplaces, que quer replicar o modelo da Startup Lisboa no Startup
Portugal.
Ótimo.
E a Startup Lisboa, o que é que quer?
A
Startup Lisboa quer crescer e consolidar este percurso que começou há
quatro anos. E ser, cada vez mais, uma referência no ecossistema
nacional, em matéria de incubação de empresas. Neste momento, estamos
confrontados com um desafio muito estimulante: a enorme procura de
startups
internacionais, que querem ter em Lisboa o seu espaço de ancoragem,
onde podem desenvolver os seus projetos. E isso fez despertar o
interesse de outros
players, outras incubadoras, que querem
instalar-se em Lisboa um pouco à boleia de todos este movimento
potenciado pela Web Summit (que é causa, mas também consequência de todo
o trabalho já feito). Vamos estar num ambiente mais concorrencial do
que aquele em que estivemos até agora, mas mais motivados também. E
queremos continuar a ter algumas das melhores
startups, até
agora nacionais, mas também internacionais. Não queremos ficar numa
espécie de projeto doméstico, mas termos as condições de acolhermos
todas as
startups que queiram vir para Lisboa, com qualidade.
A procura tem crescido quanto?
Não
lhe consigo dizer em números, porque não tinha esse histórico. Mas
sinto, claramente, que tem havido esse aumento de procura, não só de
startups, mas de tudo o que está à volta: de espaços de
cowork,
novos projetos que se estão a desenvolver na cidade, novas incubadoras,
maior atenção por parte do mundo financeiro, etc. O ecossistema está,
no seu conjunto, a mexer. Até os próprios parceiros locais, que já cá
estavam a desenvolver os seus projetos. Há toda uma dinâmica que
sustenta essa informação, de que a procura é crescente. E é evidente
que, quando há um aumento de procura, também há muita coisa que não tem a
qualidade que, à partida, se espera. É preciso que todos nós tenhamos
essa noção, para que, no fim da linha, haja um conjunto de
startups
que são capazes de se internacionalizar rapidamente, de dar cartas, de
levantar investimentos significativos. É evidente que a base tem de ser
muito alargada, porque há hoje mais gente (do que alguma vez houve) a
equacionar, como trajetória de vida e profissional, ser empreendedor. E
eu acho que é muito positivo.
"O objetivo é, precisamente, continuarmos a ser
percecionados como 'os bons projetos vão para a Startup Lisboa'.
Queremos continuar a ser assim"
Vão abrir vários espaços de incubação novos em 2016. Como é que a Startup Lisboa se pretende diferenciar?
Com
a ideia de que Lisboa somos nós. [risos] Digo isto um pouco na
brincadeira, mas também a sério. Há aqui um ativo que temos de saber
projetar: nós já cá estamos e estamos a jogar em casa. Conhecemos
bastante bem a realidade nacional e isso pode ser útil às
startups –
ao nível de contactos com entidades, mentores, parceiros. Estamos muito
bem posicionados. Temos uma rede de parcerias e de mentores muito
significativa e achamos que estamos em condições de oferecer um bom
serviço às nossas
startups.
Depois, queremo-nos
diferenciar pela qualidade do serviço que prestamos. Queremos criar um
ambiente marcado por eventos permanentes, regulares, quotidianos, que
criem um ambiente de troca de experiências, aprendizagem, identificação,
tendências. Enfim, tudo aquilo que, no fundo, são as dimensões
importantes no trabalho de uma
startup. Mas também queremos
incubar os melhores projetos. O objetivo é, precisamente, continuarmos a
ser percecionados como ‘os bons projetos vão para a Startup Lisboa’.
Queremos continuar a ser assim. Sentimos que há essa procura e queremos
apurar a nossa capacidade de seleção, com muito critério. E quem cá está
também tem de sentir mais esse peso da responsabilidade. Se está na
Startup Lisboa tem de sentir pressão para mostrar resultados.
E estão a pensar avançar com algum programa de aceleração?
Decidimos
que não iríamos desenvolver programas de aceleração, em sentido
estrito. Ou seja, estamos disponíveis (e estamos a trabalhar em várias
possibilidades) para desenvolver alguns aceleradores verticais, mas
através de solicitações concretas para setores. É muito importante
fazê-lo por várias razões, mas a principal é que precisamos de trabalhar
a sustentabilidade da Startup Lisboa, nomeadamente, a financeira. Há um
campo importante, que é por o nosso
know-how ao serviço da
comunidade e desenvolver uma linha de prestação de serviços que, até
agora, não foi a prioridade. Estamos disponíveis e interessados em
fazê-lo, mas numa lógica de aceleradores verticais. Há outros espaços
que já fazem os programas tradicionais – e fazem-no bem. Achamos que não
é aí que devemos apostar.
"Estamos a trabalhar muito com a Secretaria de Estado do
Turismo, para que estes dois pilares sejam muito fortes na ação da
Startup Lisboa"
Quanto a novidade, o foco no comércio e turismo vai ser para muito
importante num futuro próximo. Queremos criar condições no curto, médio e
longo prazo para poder incubar projetos na área do comércio, que têm
exigências diferentes. Se estivermos a falar de comércio que também tem
uma presença
offline, ou seja, os espaços para incubação não
são indiferentes. Estamos a trabalhar nisso: em encontrar locais onde
seja possível fazer alguma incubação de projetos que impliquem contacto
de rua com o público. E também no turismo, porque é essencial para o
país, não para de crescer, há muita gente a ter boas ideias para
qualificar a nossa oferta turística, há muita coisa a acontecer e
queremos ter uma presença. Estamos a trabalhar muito com a Secretaria de
Estado do Turismo, para que estes dois pilares sejam muito fortes na
ação da Startup Lisboa.
A Web Summit acontece em novembro,
os media internacionais estão cada vez mais atentos ao que se passa por
cá. Acha que a cidade está preparada?
Sem dúvida
nenhuma. Lisboa tem um histórico de acolhimento de grandes eventos
internacionais que não tem dois dias, tem vários anos. E isto
inscreve-se num movimento que vem de trás, desde 1994, ano em que Lisboa
foi Capital da Cultura, e de 1998, com a Expo. Temos uma excelente rede
de transportes públicos, boas zonas de circulação, boa infraestrutura
tecnológica, bons espaços. Se tivermos em conta que o processo de
deslocalização da Web Summit para Lisboa foi um processo – como Paddy
Cosgrave não se cansa de referir – muito criterioso, e que, no fim,
elegeram Lisboa, então essa é a melhor prova de que estamos preparados.
São eles a dizê-lo.
“Não podemos fazer isto na ingenuidade de acharmos que somos a última garrafa de água do deserto”
Numa entrevista, Paddy Cosgrave questionou se Lisboa teria
pessoas suficientes para alimentar tanta criatividade. E esta também é
um pouco a vossa preocupação: a de chamar talento internacional. Corre-se o risco de perder visão local?
Acho
que não. Acho que a identidade é qualquer coisa que não é estática, que
se redesenha, que se constrói a partir das interações do que fomos, do
que somos e do contacto com outras realidades. Não sou muito adepto da
ideia de que temos uma identidade a preservar, num sentido estático.
Para mim, a identidade mais interessante é aquela que se constrói a
partir do recriar dessa mesma identidade. Do que se vai refazendo desse
tecido de relações. Acho que já vivemos essa tensão entre o local e o
global noutras áreas e foi francamente positiva.
Sobre a questão
do talento, Lisboa tem de ser capaz de se posicionar e acho que está a
consegui-lo. E a Web Summit vai ajudar a consolidar esta ideia. Nós
temos tudo. E gosto de sublinhar isto: temos uma cidade e um país –
porque isto não se esgota na cidade de Lisboa – que é super amiga de
quem cá vive. Não é uma cidade agressiva, é uma cidade onde é agradável
viver. Com excelente qualidade de vida, excelente oferta cultural, com
condições naturais absolutamente fantásticas. Não digo isto naquela
ótica de promoção habitual do turismo de Sol e mar. Não é isso. É porque
hoje, ao contrário do que acontecia no passado, os fundadores destas
empresas dão muita importância ao equilíbrio entre a vida pessoal e a
profissional.
"Lisboa acaba por ser o resultado das políticas públicas
dos últimos 20 anos, nomeadamente, na qualificação das pessoas, de
gente muito boa"
É preciso saber que há aqui uma mudança de paradigma. Não estamos a
falar apenas de captar investimentos, de alguém que está sentado num
escritório em Nova Iorque a decidir uma expansão internacional. Para
ele, é indiferente se vai lançar uma unidade industrial na China ou no
Vietname, porque está a decidir apenas o investimento. E não a sua vida.
Aqui, não: os fundadores estão a decidir o sítio onde vão viver. E, por
isso, não é indiferente a cidade. Acho que isto nem sempre é
suficientemente percebido.
Mas não é só por isto. É porque Lisboa
(e o país) acaba por ser o resultado daquela da aposta das políticas
públicas dos últimos 20 anos, nomeadamente, na qualificação das pessoas,
de gente muito boa. E gente muito boa que não se esgota nas
engenharias, mas em todas as áreas que são importantes no mundo das
startups: na área da gestão, comercial, marketing,
design,
etc. E eu não gosto nada da expressão “vender o país”, acho que é um
erro estratégico afirmar que temos mão-de-obra barata. E o passado é
mais do que elucidativo de que esse não é o caminho.
Agora, temos
muito bons recursos, muito bem qualificados, a valores muito
competitivos. Se somarmos a isto o facto de sermos uma cidade muito
interessante, com um custo de vida muito razoável… Porque, vamos ver: um
empreendedor que trabalhou durante 10 anos numa grande consultora
internacional, por exemplo, tem algumas economias e decide arriscar num
projeto em que andou a pensar durante anos. Se o fizer em Paris, Londres
ou Berlim, com o mesmo orçamento vive um ano em Lisboa e o orçamento
que ele terá – acredito que não erro muito se disser que o rácio é se
calhar de três meses para um ano em Lisboa e, se calhar, quatro meses
numa cidade como Paris. Isso, só por si, posiciona Lisboa muito bem. É
custos, é qualidade, é talento.
Esta ideia pode estar mais familiarizada na Europa, mas há um
oceano por passar. Há pouco, utilizou a expressão “vender o país”, mas é
um pouco isso. Os portugueses estão a saber vender o seu país além da
Europa?
Acho que sim, mas temos de ser realistas e ter a
noção de que não somos os únicos no mundo. Se nós nos mexemos, os outros
também não estão parados
. É evidente que não podemos
fazer isto na ingenuidade de acharmos que somos a última garrafa de água
do deserto. Há outras. Agora que, manifestamente, há condições em
Lisboa, há. Estamos a saber fazê-lo? Acho que sim. E a prova é tudo o
que está a acontecer. Não é por obra e graça do espírito santo, como se
costuma dizer, que tudo isto está a acontecer no país e, nomeadamente,
em Lisboa. Se essa procura acontece, se há este reconhecimento
internacional, é porque esse trabalho é feito e está a ser reconhecido.
Dito
isto, é sempre possível fazer mais, fazer melhor. Por isso é que quando
o presidente da Câmara Municipal de Lisboa diz que a Web Summit não se
pode esgotar num excelente evento (ou Lisboa ficar apenas conhecida por
ser uma cidade ótima, que sabe muito bem acolher e organizar eventos
internacionais de dimensão), mas que deve ser, sobretudo, uma
oportunidade para consolidar o posicionamento de Lisboa como cidade de
referência no mundo do empreendedorismo, eu não podia estar mais de
acordo. Acho que essa é a visão estratégica correta. E é assim que
devemos olhar para a Web Summit: o evento não se esgota nos dias em que
se realiza e é, sobretudo, o que permite alavancar.
"Espero que as incubadoras de empresas não se
transformem no novo pavilhão gimnodesportivo das autarquias pelo
país fora"
Mas Lisboa não é Portugal. O ecossistema está muito “lisboacêntrico”?
Acho
que não. E a realidade desmente-nos isso todos os dias. Estou a falar
de Lisboa, porque falo a partir da Startup Lisboa, mas aceitando o seu
desafio, digo que não. O Porto tem excelentes coisas a acontecer, Braga
está a fazer um excelente trabalho com a Startup Braga. Aveiro também,
muito ligada à Universidade de Aveiro. Podia dar mais dois ou três
exemplos, mas temos de ser honestos e rigorosos nestas coisas. Não é
possível acreditar que vai haver, de repente, um ecossistema vibrante de
empreendedorismo em cada cidade, em cada vila portuguesa. Porque isso
era negar os seus ingredientes de partida.
Deixe-me dizer isto de
forma mais clara e caricatural – espero que as incubadoras de empresas
não se transformem no novo pavilhão gimnodesportivo das autarquias pelo
país fora. Que todas as autarquias achem que vão ter uma incubadora de
startups.
Podem
ter projetos de apoio ao desenvolvimento local, ao empreendedorismo
local, à renovação do seu tecido comercial, empresarial, nada contra.
Mas nesta lógica das startups, é evidente que não é possível. E isso tem a ver com o reconhecimento dos ingredientes deste processo, que não acontece por acaso.
É
fundamental que aconteça em sítios que estão próximos de grandes
centros de saber, onde haja um sistema sólido de conhecimento, de
tecnologia, de transferência desse conhecimento e dessa tecnologia para o
mundo empresarial, onde haja uma boa infraestrutura tecnológica, Ou
seja, um conjunto de requisitos que não são replicáveis assim tão
facilmente. Isto é mesmo assim. Não temos de ter complexo em assumir
esta situação. Mas também temos de ter noção que tudo o que acontece de
bom para Lisboa, à escala do país, é relativamente fácil de propagar
para fora. Não tem de existir essa ideia de que só serve Lisboa. Não,
isto serve o país.
É importante que lançar uma startup não se torne uma moda?
Eu não tenho nada contra a moda.
Mas corre-se esse risco.
Corremos
o risco de as pessoas já não saberem muito bem do que é que se está a
falar. Acho que esse risco existe e digo isto sem ironia ou cinismo.
Acho que todo e qualquer projeto a este nível é respeitável. Alguém que
queira, na sua vila, pegar num antigo estabelecimento comercial,
renová-lo, abrir uma loja mais interessante, com melhores produtos e
melhores serviços, é excelente e deve ser valorizado. Mas agora não
vamos dizer que é uma
startup.
Acho que se os nomes
servem para alguma coisa é para nos orientarmos e organizarmos e aqui
convém sermos rigorosos. Desse ponto de vista, sem querer fazer uma
grande discussão académica do que é isto de uma
startup, acho
que há alguns nomes em que todos estamos de acordo, como a ligação forte
à inovação, o facto de ser um projeto pensado para se dirigir a uma
escala que não é doméstica, mas global, e que está associado a modelos
de negócio de fortíssimo e rápido crescimento, etc. Dito isto, não acho
que devemos olhar com maus olhos para tudo o que é capacidade de gerar
novas iniciativas, noutros âmbitos. Estas iniciativas são necessárias e
muito bem-vindas. E tudo isso é empreendedorismo, não são é
startups.
"[O léxico em inglês] também contribui para essa
iliteracia, mas não vejo como um drama, acho normal. E é o tempo que se
vai encarregar de ir alargando o universo das pessoas"
Acha que há alguma iliteracia? Todos estes conceitos são novos.
Normalíssimo.
As pessoas confundem-se?
Claramente.
Toda esta realidade é muito nova. E isto anda tão depressa, cresceu
tanto, que parece que andamos todos nisto há muitos anos. A Startup
Lisboa tem quatro anos e é dos projetos mais antigos. Todas as empresas
que estão a dar cartas são novas, têm quatro anos, cinco no máximo. Mas
não é só em Portugal que é novo. Estamos a falar de uma realidade que
tem, talvez, 10 anos no mundo. Estamos a falar de um léxico que é quase
todo ele em inglês – até porque o ritmo é tão grande que não dá tempo de
as línguas maternas encontrarem as expressões corretas para traduzirem
esses conceitos. Como estamos a falar de um mundo cosmopolita, muito
internacional, e também ninguém faz o esforço de encontrar as palavras
equivalentes, na sua língua. E isso também contribui para essa
iliteracia, mas não vejo como um drama, acho normal. E é o tempo que se
vai encarregar de ir alargando o universo das pessoas. Acho que é muito
importante valorizarmos sempre a língua portuguesa, mas acho que não tem
nada de dramático.
Quando é que ouviu falar de startups pela primeira vez?
Pergunta bem… Deve ter sido precisamente na altura da fundação da Startup Lisboa.
Como é que está a ser suceder a João Vasconcelos?
O
João é uma força da Natureza. Fez um trabalho que eu não me canso de
elogiar, porque é absolutamente justo. E conseguiu em quatro anos
afirmar a Startup Lisboa como uma referência no ecossistema nacional.
Esse mérito deve ser-lhe creditado. O que é que isso significa?
Significa que a responsabilidade é grande. Eu gosto de bons desafios e
isto é um excelente desafio. A Startup Lisboa é ela própria uma
startup e estamos com os mesmos desafios e dores de crescimento das
startups.
Temos de conseguir crescer e consolidar esta experiência, gerar alguns
processos que ajudem essa consolidação, sem perdermos agilidade,
criatividade, a capacidade de nos movermos muito rapidamente. São traços
que devemos ser capazes de preservar na certeza, mas agora precisamos
de consolidar esta experiência.
“Não há razão para euforias, porque isto não foi resultado de um acaso”
Num cenário perfeito como vê Lisboa?
Vejo uma
cidade com mais gente, uma cidade com o seu património reabilitado,
privado e público. Vejo uma cidade onde toda a gente pode usar os seus
smartphones e
tablets porque a internet é toda de livre acesso e há uma cobertura
wi-fi por
toda a cidade. Vejo uma cidade vibrante do ponto de vista económico,
que é isso que faz as pessoas viverem cá. E acho que estamos a caminhar
para isso.
Mas para que tudo isso aconteça também são
precisas iniciativas publicas. E o ritmo a que o ecossistema cresce e se
desenvolve é diferente daquele a que o Estado se desenvolve.
Mas
isso é normal. O Estado é o Estado, a sociedade civil é a sociedade
civil. E dentro da sociedade, isto é uma expressão do mais vibrante e
inovador. De mais ágil e mais rápido. O contrário é que seria estranho:
se conseguissem andar ao mesmo ritmo. Não vejo isso como um problema,
acho expectável. O que o Estado tem de fazer (e está a fazer) é
conseguir perceber qual é o seu papel: ajudar a que todos os atores têm
condições para crescer. E isso está a ser feito em várias dimensões, por
exemplo, quando se convida empreendedores para contribuírem para o
processo da simplificação administrativa. Está a ser feito quando se
cria uma estratégia nacional como a Startup Portugal, mas com um
conjunto de eixos muito claros e que tentam responder às diferentes
dimensões deste universo. Acho que o desafio está a ser bem abraçado.
Há
um que eu acho muito importante: a questão financeira. É o lado que
continuo a achar mais frágil. Ao dia de hoje, é um bocadinho
incompreensível a quantidade de capital de risco, de
business angels –
e é evidente que este é um problema geral do país, que está todo ele
descapitalizado – [que falta]. Não somos propriamente conhecidos por
sermos uma economia com um empresariado muito pojante e capitalizada,
mas ainda assim, mesmo sabendo isso, esperaria que houvesse mais gente
desperta para este mundo e com mais vontade de investir.
Um dos
desafios que encontro é ao nível do capital semente. Encontrar
investimento já não é um problema para quem ganhou alguma tração. Pode
fazê-lo junto da Caixa Capital Portugal Ventures, Faber Ventures, entre
outras. O problema está na fase anterior.
Acho que podemos estar a desperdiçar bom talento, boas ideias e boas pessoas por ausência de capital semente, de dinheiro que permita alavancar.
Porque
se toda a gente fala da necessidade de haver tração, a pergunta que
fica é: mas até conseguir essa tração, quem é que suporta os custos? Se
não quisermos que o empreendedorismo seja uma realidade apenas para os
afortunados desta vida – aqueles que consigam, por razões familiares ou
pessoais, ter esses meios – não temos forma de acolher essa gente. E
isso é um desafio que o país deve estar sensível para perceber. Não é o
Estado.
É importante haver mais capital semente, mais capacidade de apoiar. Com esta ideia subjacente de que
o falhanço faz parte e não é uma contingência do sucesso, é parte essencial e constitutiva do processo de empreender.
Só empreende falhando. Mesmo aqueles que hoje são bem-sucedidos têm a
honestidade de reconhecer que não foi à primeira. O importante é
conseguir aprender com os falhanços e criar uma cultura que não penaliza
quem falha. Quem investe quer ser remunerado, mas quem investe também
tem de perceber que quando investe pouco e investe bem a probabilidade
de ter um prémio que à sua espera é muito grande.
"Acho que o Governo está ciente, sensível e a pensar
nisso: que é preciso criar um quadro fiscal que, de alguma maneira,
ajude a estimular esse investimento aqui"
Concorda com Rohan Silva, que disse que é preciso criar
incentivos fiscais para os pequenos investidores? Resolvia-se desta
forma?
Sem dúvida que ajudaria ter um sistema fiscal.
Acho que o Governo está ciente, sensível e a pensar nisso: que é preciso
criar um quadro fiscal que, de alguma maneira, ajude a estimular esse
investimento aqui. A política fiscal serve para os países e os Estados
sinalizarem as suas apostas e quando discriminam positivamente alguma
coisa é porque entendem que há um racional de política pública que faz
sentido. Ora, se toda a gente diz que isto é muito importante porque
cria emprego, revitaliza o nosso tecido económico, permite
internacionalizar mais depressa, permite crescer no domínio da inovação,
acelerar processos de transferência de tecnologia e conhecimento para o
mundo empresarial, aproximar o mundo mais moderno e inovador dos
setores mais tradicionais da economia… Se tudo isto é verdade, então o
fim da linha é o Estado conseguir criar todas as condições para que o
sistema se desenvolva. E aí a política fiscal é obviamente importante.
E se tudo isto falhar?
Falhou.
E não vai falhar. Porque, pelo meio, já há coisas que foram
suficientemente bem-sucedidas para não haver retorno. Se tudo isto
falhar, houve muita gente que não falhou, que cresceu, aprendeu, ganhou
competências profissionais. Não consigo imaginar o que é esse cenário do
falhanço coletivo, porque isto não tem um princípio e um fio. Tem um
principio e um durante permanente. E é nesse durante que está a riqueza
disto. É no processo. E, no processo, há gente que ganhou imensas
competências, que conviveu com o que de mais dinâmico se faz no mundo da
inovação, da ciência, da tecnologia. Admito um cenário em que podemos
todos ficar com um sabor amargo face às expectativas que poderíamos ter.
E, aí, não entremos, mais uma vez, naquela nossa característica de
sermos bipolares. De passarmos da euforia à depressão com uma facilidade
terrível.
Não há razão para andarmos eufóricos, porque isto não foi resultado de um acaso, foi resultado de trabalho
.
E quando se trabalha, não há razões para não se acreditar que não se
fez as coisas bem, que os resultados não vão aparecer. É assim que vejo
isto. Não foi um acaso e, se não foi um acaso, não há que temer. Não
vale a pena ter euforia nem depressão. Vale a pena trabalharmos todos
para a sustentabilidade, que é o desafio atual do ecossistema: sermos
sustentáveis. E isso não significa que todos os projetos vão ser
bem-sucedidos, que todos vão criar e encontrar em Portugal uma empresa
igual às que fazem parte das marcas internacionais. Mas isso não
significa falhanço, significa que estamos no bom caminho.