terça-feira, 14 de junho de 2016

"Temos de apostar no ensino profissional"

 

O presidente-executivo da Egor, Amândio da Fonseca, defende que é necessário apostar no ensino profissional para combater o desemprego jovem.


Acha que as empresas vão ter de se habituar ao envelhecimento da população? Estamos numa fase de declínio demográfico. Que impacto vai ter no mercado de trabalho?

Vai ter um impacto muito importante. Repare, tivemos a fase dos yuppies. São vagas culturais. Na fase yuppie, quanto mais jovens melhor. Essa fase já foi ultrapassada. Em alguns casos até com maus resultados, como vemos no mercado de trabalho e em alguns casos mediáticos. Casos da banca, casos noutras empresas. Houve uma normalização deste fluxo e hoje as empresas começam a perceber, até porque nós, empresas de recrutamento, fazemos um esforço muito grande de valorizar essas pessoas. A situação inverteu-se e está a inverter até porque com a emigração, o recurso a pessoas mais jovens também diminuiu significativamente. As sociedades evoluem em fluxos e, portanto, houve a época em que as pessoas estavam em baixo e agora estas pessoas começam a ter alternativas de emprego. É evidente que depende do seu perfil, do sector onde estão, do tipo de ajustamento que essas pessoas forem capazes de fazer.

O empreendedorismo é uma solução ou uma moda passageira?

Diria que é as duas coisas. É moda porque o empreendedorismo surge como uma forma de motivação dos jovens e de criar projectos de empregabilidade. Há uns anos, apontavam as estatísticas, sabíamos que por cada cinco projectos de empreendedorismo apenas dois vingavam e os outros desapareciam. Hoje, a grande maioria dos projectos de empreendedorismo está a surgir na área dos IT. E está a aumentar significativamente o número de projectos de empreendedorismo com sucesso. Para esses, o empreendedorismo é realmente uma solução. Por outro lado, surgiram negócios realmente incríveis, de uma criatividade enorme, e que estimularam as pessoas.

Do ponto de vista do empregador, é algo que se valorize no currículo mesmo que o projecto tenha corrido mal?

É importantíssimo. Uma empresa com uma cultura de gestão normal, já não diria de alto nível, quer pessoas que tomem decisões, que sejam empreendedoras, que façam as coisas acontecer. Costumo dizer que há três tipos de pessoas na vida: as que fazem acontecer, as que veem acontecer e as que não veem nem fazem. Estas últimas são pessoas que entraram prematuramente na fase de declínio. As empresas querem pessoas que façam acontecer.

Um jovem que lance uma empresa ou um projecto que corre mal. Em Portugal há muito aquela tendência para recear o falhanço. É algo que prejudique o currículo de um jovem?

Para muitas pessoas, sim. Ao contrário da cultura americana, que se eu não tenho dois, ou três ou quatro fracassos, não presto, não sirvo, porque não aprendi os mecanismos da frustração, da resiliência e de lidar com as dificuldades, em Portugal já se deu mais importância a essa questão do que hoje. Até pela escassez de recursos qualificados. Temos uma grande escassez de pessoas qualificadas. Hoje recrutar é difícil.

É uma escassez porque essas pessoas estão a ir para fora?

Nós procuramos sobretudo pessoas qualificadas porque é o que as empresas nos pedem. Muitas foram para fora, houve uma massa muito grande de pessoas, cerca de 200 mil ou 300 mil pessoas que foram para fora, muitas delas qualificadas. Muitas delas foram para fora porque a economia não tinha possibilidade de as absorver. Formámos cinco ou seis milhares de enfermeiros todos os anos e o mercado só absorve dois ou três mil. O que vão fazer estas pessoas? Têm de ir para fora.

Do seu ponto de vista, o que podia ser feito, que medidas podiam ser tomadas, ou alguns obstáculos que pudessem ser ultrapassados para conseguir combater o desemprego em Portugal?

Eu diria que temos de apostar no ensino profissional. Essa tem sido uma das áreas onde, naquela fase da licenciatura, em que todos queriam ter uma licenciatura, as pessoas não iam para ao ensino profissional e não colmatavam uma lacuna. Foi provavelmente o maior erro da revolução, acabar com os cursos intermédios, os cursos industriais e os cursos comerciais. Esse foi provavelmente um dos grandes erros que foram cometidos. O ensino profissional não era considerado muito interessante, em termos de estatuto, em termos de imagem. Essa situação só se modificou quando as pessoas em massa começaram a verificar que tinha o licenciado em casa desempregado e o vizinho do lado tinha um filho com o 11º ou o 12º ano, mas que tinha terminado um curso de electricista ou de canalizador, e estava empregado, tinha carro e vivia bem. Isso provocou, em termos colectivos, um sentimento de que o curso profissional cria muito mais oportunidades de emprego quer cá quer fora. Hoje, uma pessoa com o 12º ano para emigrar vai fazer o quê? França e toda a Europa está cheia de pessoas deste tipo que não tem lugar.

Há estatísticas que demonstram que, apesar de tudo, os licenciados vivem melhor do que os não licenciados…

Obviamente que sim. A licenciatura é essencial. Agora, a questão é da escolha da licenciatura. Esta escolha não pode ser apenas feita pelo coração. A orientação vocacional, que é um dos defeitos que temos no nosso ensino, não há orientação vocacional, deve ensinar um jovem a ponderar ‘ok, eu gostava muito disto mas qual é o mercado de trabalho, tenho emprego ou não tenho emprego nesta profissão?’.

Os incentivos às empresas para contratarem, nomeadamente mão-de-obra mais jovem, devem continuar, devem ser aprofundados, ou não?

Acho que sim. Não tenho números. Provavelmente o ministério terá. Mas uma grande percentagem das pessoas que fazem este tipo de estágio consegue ficar nas respectivas empresas. No mercado de emprego, a partir do momento em que apresentam uma experiência, que apresentam referências, tem uma vantagem significativa relativamente a outras pessoas. Na Egor, devemos ter dez ou 12 pessoas que entraram por essa via. São jovens que saíram da faculdade de psicologia, e desse género, e que entraram, começaram a trabalhar e que ao fim do período de estágio passaram ao quadro porque foram selecionadas. Vimos que eram pessoas que nos interessavam e portanto considero que é uma medida muito positiva. Receio é que em termos financeiros, o investimento que está a ser canalizado para essa área tenha vindo a diminuir na medida em que cada vez mais é difícil obter autorização do Instituto do Emprego e Formação Profissional para assumir esses estágios profissionais.

De onde vem o interesse lá fora pelos trabalhadores portugueses? Quais são os países que neste momento estão a recrutar em Portugal e para onde?

Os trabalhadores portugueses em todo o mundo são considerados trabalhadores exemplares. O que levanta um paradoxo terrível: por que é que cá temos a produtividade mais baixa da Europa e noutros países somos considerados modelos. Ou nas multinacionais que estão em Portugal, como a AutoEuropa, a Bosch, Siemens e outras multinacionais, onde os portugueses são considerados trabalhadores exemplares. Essa é uma componente ligada ao tipo de gestores que temos em muitas das nossas empresas, a baixa qualificação. Outra questão é porque realmente, neste momento, toda a Europa há falta de pessoas nessas áreas: há falta de enfermeiros, há falta de informáticos, há falta de designers, há falta de engenheiros. O português não só tem uma integração muito fácil em todos estes países e uma capacidade de adaptação muito grande, como na realidade temos escolas magníficas.

Relativamente a Portugal, qual a sua perspectiva de futuro? Falou que alguns investimentos estão a vir para o país. A sua perspectiva é que haja alguma melhoria mesmo com o crescimento esteja a diminuir ou não?

Teremos investimento selectivo. Aqueles investimentos muito grandes que empregavam centenas de pessoas dificilmente os teremos. O nosso mercado é um mercado pequeno e há um certo esgotamento. O que estamos a ter é realmente muitos investimentos em termos de grandes empresas que estão a mudar para Portugal as suas áreas de research e desenvolvimento, porque reconhecem que nós temos excelentes profissionais e que os custos dos nossos profissionais são muito mais baixos do que nos países de origem.

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